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27 Abril 2017

Frei Michael Perry, ministro geral OFM pede a volta às origens antes da divisão em Observantes, Conventuais e Capuchinhos.

Escrito por  OFMConv-Notícias
Fotos Frei Michael, Ministro Geral OFM Fotos Frei Michael, Ministro Geral OFM franciscano.org.br

2017 é um ano especial para os Franciscanos. Era de fato 29 de maio de 1517 quando o Papa Leão X, depois de séculos de controvérsias, produziu a bula “Ite et vos in vineam meam”, com a qual  sancionou a divisão entre os Conventuais não-reformados e os Observantes. Esses últimos se tornaram a Ordem dos Frades Menores e ao superior deles, o Ministro Geral, foi devolvido o antigo selo da Ordem e foi lhe dado o direito de precedência em relação ao superior dos Conventuais.

 Ao longo da história, os franciscanos se reagrupam em três famílias: os Frades Menores, os Conventuais e os Capuchinhos, unidos pela mesma Regra de São Francisco, mas cada um com suas próprias Constituições, tradições e características.

 Depois de quinhentos anos, no entanto, chegou talvez o momento de voltar às origens. “Iniciamos um caminho comum para redescobrir a essencialidade da nossa vida, da nossa identidade e da nossa missão. Juntamente com a Terceira Ordem Franciscana Secular, estamos nos encontrando para nos conhecer melhor uns aos outros. O ano de 2016 marcou também os 800 anos do perdão de Assis e nele se celebrou o Jubileu da Misericórdia. Foi uma ocasião única de nos reconciliarmos internamente em cada Ordem e, depois, entre nós, colocando-nos juntos para superar as diferenças que levaram à separação”.

 Frei Michael Anthony Perry, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, falou de uma mudança de época com a mesma simplicidade e clareza com que guia os outros 13 mil confrades presentes em mais de 113 países. Tem sessenta anos mas parece 10 anos mais jovem.  Frei Michael é americano de terceira geração: dos avós irlandeses herdou a sociabilidade; da cultura yankee, o pragmatismo para enfrentar os problemas, sejam as lutas cotidianas dos frades ou o legado de séculos de divisão.

A família franciscana novamente unificada?

Frei Michael Perry – Durante 2017 temos intenção de fazer uma releitura da história para imaginar um futuro diferente. No ano seguinte, então, queremos começar algum projeto de convivência e de missão partilhada com os frades das outras Ordens. Entre as várias coisas, estamos trabalhando para ter uma única Universidade Franciscana em Roma em 2018. E ainda empreender outras formas de vida em comum.

O caminho para a reunificação, portanto, foi iniciado…

Frei Michael – Não chegamos ainda ao fim, mas o percurso começou. É importante testemunhar o carisma franciscano na sua integridade. Naturalmente, nem todos partilham esta impostação, mas os Ministros Gerais decidiram seguir o caminho do conhecimento e da reconciliação no sinal da misericórdia. E quem sabe, no futuro, não se chegue a um nível decisivo.

Está esperançoso?

Frei Michael - Tenho a mesma esperança que nutre a Igreja, que se realize a unidade.

Quando teve consciência que se tornaria frade?

Frei Michael - Quando jovem tive uma vida turbulenta. Era empreendedor desde quando tinha 10 anos, com duas pessoas que trabalhavam para mim. Aos quinze anos comprei o primeiro carro. Tinha tudo aquilo que desejava, e os meus pais me sustentavam sob todos os pontos de vista, mas economicamente não queria nada deles porque devia fazer por mim mesmo. Depois, durante a escola secundária, participei de um retiro com os jovens. E assim iniciei um caminho interior que, porém, não era constante. Jogava futebol e trabalhava. Quando chegou o momento de ir à universidade para me tornar advogado, retardei os estudos para trabalhar como operário em uma fábrica que construía casas.

Mas ainda não tinha entendido a sua verdadeira vocação…

Frei Michael - Um dia fui convidado pelos jovens metodistas a servir os pobres e os anciãos em Appalachia, na Virginia do Oeste. Ali encontrei os franciscanos que estavam a serviço dos pobres. Durante meses que passei na sua companhia, construí as casas para os mais necessitados. Mas à noite lia a vida de São Francisco de Assis.

E assim começou tudo?

Frei Michael - Quando voltei para casa, dois casais identificaram em mim uma vocação. E me desafiaram a fazer a experiência. Meu pai, embora estivesse convencido que saí cedo, sempre me apoiou como toda a família. Seis meses depois estava no Seminário da Universidade dos Franciscanos. No final de cada semestre, dizia ao diretor que ainda procuraria permanecer por mais seis meses. E hoje ainda estou aqui!.

Mas por que os Frades Menores e não os Metodistas, que você  encontrou por primeiro?

Frei Michael - Metodistas, Franciscanos, pobres e leigos são  os quatro elementos que me apoiaram na vocação. Os metodistas estavam interessados e atraídos pelo sacramento da Eucaristia. E isso foi um ponto de convergência: Eucaristia e os pobres. Para eles, era claro o significado da pobreza, Cristo que se tornou alimento para a vida e para ajudar os pobres a descobrirem a beleza da sua dignidade. Mas quando conheci a história de São Francisco, me senti atraído. E depois, em contato com os Frades Menores, descobri a sua sensibilidade para o diálogo ecumênico: não era alguma coisa de acadêmico mas uma experiência de cotidianidade e partilha.

Por dez anos, você foi missionário na África…

Frei Michael - A experiência missionária transformou completamente a minha vida e a perspectiva sobre o mundo, a tal ponto que quando faço uma refeição, penso em quantos não têm o que comer. E procuro estar atento. Inicialmente estive em missão em Kassanji, em Angola,  vivendo em meio a três tribos que falavam línguas diferentes. Cada dia ia pelos vilarejos encontrando pessoas e participando também dos ritos de iniciação para compreender como as pessoas concebiam a vida e a religião. A missão era enorme, compreendia cerca de 13 mil quilômetros quadrados de terra. E isso complicava as coisas, além da linguagens faladas e e culturas diferentes. Dentro da missão estavam presentes também três campos militares e três campos de refugiados da guerra em Angola que, naqueles tempos, eram ainda terríveis.

O sr. viveu situações dramáticas?

Frei Michael - As pessoas que chegavam de Angola apresentavam todo tipo de trauma, das feridas do corpo aos problemas psicológicos. Nós, frades, participávamos também das atividades de um pequeno dispensário sob a responsabilidade de um grupo de cinco irmãs da Bélgica. Abrimos a missão, partilhamos o depósito de alimentos, colocamos à disposição as nossas estruturas para os projetos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados.

Aquele período também mudou seus hábitos na relação com a criação?

Frei Michael - A última encíclica do Papa Francisco Laudato Si’ coloca em evidência estes temas, mas já faz tempo que me esforço diariamente para não desperdiçar os recursos naturais. Quando me encontro em Roma, por exemplo, utilizo os meios públicos e evito o automóvel o quanto possível. É uma responsabilidade que temos como discípulos e Frades Menores.

A propósito de Roma. Desde que se tornou Ministro Geral, transferiu-se para a Itália mas frequentemente viaja pelo mundo…

Frei Michael - Tenho a vantagem de viver com os frades em contextos bastante diferentes. Nós temos mais ou menos 13 mil frades em 113 países, sendo que o último em ordem cronológica é o Senegal. O que vejo é um grande empenho em cada latitude e longitude. No coração dos frades noto o desejo de um encontro profundo e diário com Cristo. A fraternidade que vivemos representa um modelo de existência que se contrapõe àquele individualista e que gera divisão. Esforçamo-nos em mostrar a beleza da solidariedade, anunciando que Cristo está presente sempre e em todo lugar, não obstante as situações de sofrimento e de guerra. Penso nos frades no Sudão, que estabeleceram uma presença fraterna entre os habitantes de Giuba, uma cidade mais ou menos com a metade católica. Os nossos frades são vizinhos aos refugiados e aos que tiveram de deixar suas casas para procurar um lugar onde possam viver.

Viajando tanto assim, encontra tempo para cultivar as amizades?

Frei Michael - Os amigos são uma maravilha na minha vida. Tenho alguns aqui em Roma, na Itália, com os quais partilho a beleza mas também o sofrimento do ministério. Sobretudo tenho amigos dentro da Ordem, e isso é fundamental para mim. Penso no meu vigário, com o qual partilho as decisões, mas também nos outros frades da Cúria com os quais me sinto à vontade para falar.

Encontra-se também com pessoas de outras confissões?

Frei Michael - Tenho boas relações com alguns membros das outras Igrejas cristãs. E também com um querido amigo budista e dois muçulmanos. Graças ao fato de conhecer pessoas de países distantes, tenho a possibilidade de conhecer melhor o sofrimento destes povos. Nesse sentido, a amizade me favorece  fazer a experiência do amor e da misericórdia de Deus. É uma consciência que me ajuda também na vida consagrada.

Na África ainda tem contato com alguém?

Frei Michael - Com algumas pessoas falo ao menos uma vez por semana. É um  vínculo profundo e sincero que nunca se quebra. E depois temos amigos na Inglaterra, onde completei os estudos para o doutorado. Sem esquecer os americanos católicos negros e a centena de famílias que conheci durante os anos nos quais fui pároco.

Frequentemente anda de bicicleta em Roma…

Frei Michael - É uma paixão. Quando não posso sair, treino com a bicicleta ergométrica. Mas andar pelas ruas de Roma é fantástico, ainda que talvez eu seja mais perigoso aos motoristas do que eles a mim.

O sr. Gosta de música?

Frei Michael - Amo o jazz. Gosto da possibilidade de criar sempre alguma coisa de novo. Isto junta o jazz à vida consagrada.

Por que o adjetivo “menores” no nome da Ordem?

Frei Michael - A nossa referência é Francisco de Assis, o exemplo de Cristo pobre. É uma orientação clara para a nossa identidade de frades, que deve ser enraizada em Cristo. Trata-se de uma lição que se  deve redescobrir continuamente. O Papa Francisco nos pede que reencontremos o significado da presença entre os pobres, de sermos pobres com os pobres. É um dos desafios maiores para nós, frades e menores. O fato que os meios de comunicação são invasivos, nos coloca no risco de nos tornarmos escravos de um mundo que não existe, distanciados da realidade. Ouvimos as histórias de guerras, conhecemos o sofrimento da humanidade, vemos as faces dos povos que fogem de seus países. Mas tudo isso não basta, devemos estar em meio  a estas pessoas e viver na nossa própria pele o drama que experimentam quotidianamente. Caso contrário, nos limitaremos a dizer belas palavras, a sermos discípulos de Cristo e consagrados sem aderência à realidade.

Como se pode realizar este encontro?

Frei Michael - Saindo de nós mesmos e das nossas estruturas, que nos servem mas que não são o centro. Já propus outras vezes que iniciássemos uma reflexão séria nesta direção. Talvez devêssemos sair também da atual Cúria Geral, construída quando os frades no mundo eram 26 mil. Hoje, que somos a metade, é tempo de colocar em discussão todas as estruturas que temos, para dar-nos a possibilidade de entrar na vida concreta das pessoas. Sobretudo daquelas mais isoladas, em todos os sentidos.

O próprio Papa, na Evangelii Gaudium, diz preferir “uma Igreja acidentada, ferida e suja porque saiu às ruas, do que uma Igreja doente por estar fechada, acomodada e agarrada às próprias seguranças”.

Frei Michael - Todos nós sabemos quais são os lugares  nos quais é maior o sofrimento dos homens, mas às vezes temos medo de ir lá. Também a nós, Frades Menores, amedrontam certos ambientes. Mas, no batismo,  renunciamos ao direito de ter medo: se Cristo é de fato o centro, então somos livres para ir. Se, ao contrário, temos medo, e, portanto, permanecemos paralisados, significa que não confiamos em Cristo. Isso não vale só para os religiosos, mas para todos os cristãos.

Que diferença há entre um frade ordenado sacerdote e um religioso irmão?

Frei Michael - Historicamente vivemos períodos nos quais esta divisão foi bastante acentuada. Também nos papéis, a diferença era clara e dizia respeito  até a questões ligadas à dignidade e vocação. Em diversas províncias da Ordem, havia uma separação  física dentro do espaço litúrgico, nos refeitórios e nos centros de estudo. Até mesmo eram previstos dois noviciados distintos: um para os frades que tinham intenção de se tornarem religiosos irmãos, e outro para aqueles que tinham disposição de seguir a estrada do ministério sacerdotal.

Foi assim nos tempos de São Francisco?

Frei Michael - Não, no início este problema não existia. Discute-se ainda se o próprio Francisco foi ou não um sacerdote, e há elementos convincentes seja num sentido ou seja no outro. A questão, porém, não é essa.

E qual é?

Frei Michael - No curso dos séculos, a Ordem mudou respondendo ao chamado da Igreja universal e à necessidade da Igreja local. Tornamo-nos uma Ordem clericalizada. Disto também já falou o Papa Francisco: “É um dos males da Igreja, mas é um mal cúmplice, porque aos padres agrada a tentação de clericalizar os leigos”. Não se pode fomentar a ideia de uma identidade superior, como se o ser sacerdote conferisse uma dignidade de outra condição em relação à condição da pessoa batizada. Naturalmente, não devemos fazer confusão entre os ministérios. Mas os Frades Menores sacerdotes não devem crer que são melhores que os religiosos irmãos.

É um tema de grande atualidade. Como pensa que se pode pôr fim a esta “vexata quaestio”?

 Frei Michael – Juntamente com os Capuchinhos e os Conventuais, pedimos à Igreja que revisse a questão dos Institutos mistos que se encontra no ponto 61 (*) da Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata. Até 1239, tivemos o privilégio de não sermos considerados uma Ordem clerical. Depois houve uma solicitação enérgica da parte dos frades já ordenados, no tempo do Ministro Geral Elias de Cortona, e a Igreja respondeu. Desde aquele momento nos tornamos uma Ordem clericalizada. Hoje, estamos trabalhando para mudar essa postura: nós aceitamos o chamado de Cristo de nos tornamos Frades Menores, não para sermos ordenados, mas para seguirmos o exemplo de São Francisco de Assis.

Se falta esta consciência,  pode haver o risco de se deixar a Ordem?

Frei Michael - Quando o núcleo da nossa identidade não existe, é possível uma crise em nível de fraternidade. Assim, os frades deixam a Ordem e entram nas dioceses como sacerdotes. Há cinco anos iniciamos um estudo sobre os que deixam a Ordem. Veio à tona um problema na formação inicial e permanente, cultivada num contexto que favoreceu o clericalismo. Devemos lutar contra estes comportamentos que não são evangélicos. É necessário distinguir entre a identidade do clero e o clericalismo.

Portanto, dentro do povo de Deus, não há dignidade diferente entre os fiéis?

Frei Michael - Absolutamente não, mas devemos nos empenhar para convencer a Igreja. E não falo tanto do Vaticano ou dos bispos, mas de todos os batizados. Contudo, é isso que nos pede a Evangelii Gaudium, mas já antes a Lumen Gentium, a Gaudium et Spes, o decreto Ad Gentes e outros documentos do Concílio Vaticano II. O Papa Francisco está abordando com decisão os temas da dignidade, do compromisso e da essencialidade de todos os batizados. Eu aguardo o momento em que a Igreja esteja pronta a repensar o papel dos leigos: se não lhes pode  consentir fazer a pregação, ao menos se poderia envolvê-los de uma maneira diferente no âmbito litúrgico, quando a Igreja se reúne para celebrar junto a morte e ressurreição de Cristo. Espero com confiança o dia em que se poderá partilhar a fé na liturgia.

Portanto, os leigos são importantes para os Frades Menores?

Frei Michael - Para nós, Frades Menores, mas para toda a Igreja, é fundamental repensar o papel dos leigos. Basta pensar na Ordem Franciscana Secular: os leigos não são pessoas de “segunda classe”, mas co-missionários, aos quais nos liga o mesmo carisma. Nas comunidades franciscanas dos santuários e das paróquias devemos preparar os leigos, cuja a importância é decisiva para a Igreja. São Francisco costumava levar com ele também  os leigos – homens e mulheres -, que, com a permissão do bispo, faziam catequese e pregavam. Não via obstáculos em permitir a pregação das mulheres, que têm  sensibilidade e perspectiva diferentes.

Quanto ao posto das mulheres na Igreja, a que ponto estamos?

Frei Michael - Tive a graça de trabalhar junto a tantas colaboradoras. Quando trabalhava para a Conferência Episcopal dos Estados Unidos da América, encontrei um grande número de mulheres que não tinham somente uma fé exemplar mas também competência especializada e um profundo senso de Igreja. As mulheres participam da missão evangelizadora e, para nós, isso é uma bênção.

Passando para o tema das vocações: de quais países chegam mais pedidos de ingresso?

Frei Michael - A África e, em particular, Madagascar. Também o Sudão, Zimbábue e a África do Sul, que é uma grande surpresa nos últimos tempos. E agora Moçambique, República Democrática do Congo, República do Congo, Togo e Costa do Marfim…

E a Ásia?

 Frei Michael - Há muito interesse. Na Indonésia temos cerca de dez noviços cada ano, na Birmânia ao menos 15. Também em Singapura e na Malásia temos vocações, como também no Timor Leste e na Papua-Nova Guiné. E, depois, penso na América Latina: do México, em particular na região Norte, chegam tantas vocações a cada ano. Os Ministros Provinciais confirmam o crescente envolvimento dos jovens mexicanos.

A Itália contribui ainda para a difusão da Ordem?

Frei Michael - No Sul temos sempre muitas vocações. No Centro,  com alguma dificuldade, enquanto no Norte estão em queda. Da Europa, contudo, chega uma contribuição consistente da Polônia. Também a Ucrânia faz a sua parte, tanto na Igreja greco-católica como na latina. Alguns sinais de esperança chegam da Irlanda e da Holanda.

Em uma carta endereçada a todos os frades da Ordem, datada de 17 de dezembro de 2014, o sr. escrevia: “A Cúria Geral se encontra diante de graves – insisto, graves – dificuldades financeiras, com dívidas portentosas” e que “o sistema de vigilância e controle financeiro da gestão do patrimônio da Ordem eram demasiadamente fracos quando não comprometidos, com a inevitável consequência da sua falta de eficácia para a salvaguarda de uma gestão responsável e transparente”. É difícil para um frade a gestão do dinheiro?

Frei Michael - Nós, frades, crescemos em diversos ambientes culturais, no meio dos quais a concepção e o uso do dinheiro se diferenciam muito. E isso é um problema sério, sendo uma Ordem internacional. Há, pois, o desafio de responder com a nossa vida ao ensinamento de São Francisco de Assis do Cristo pobre. É a dimensão do sine proprio, conduzir uma existência sem nada de próprio. O dinheiro não nos pertence mas isso é difícil de interiorizar, sobretudo diante do impacto da globalização e da cultura do desperdício. Somos influenciados pela confluência das forças que determinam a cultura dominante. Então, devemos viver, repensar e redescobrir a beleza do sine proprio: as coisas não são de nossa propriedade e somos apenas gestores responsáveis. O nosso empenho é entender como utilizar os recursos econômicos para a missão da Igreja, para os pobres e os necessitados.

Viver em uma tranquilidade burguesa é, portanto, um perigo para a vida dos frades?

Frei Michael - É um risco percebido pelos próprios frades, que coloca em crise a identidade de nossa  vocação. Somos chamados a tornar concreta a misericórdia de Deus com atos de justiça e caridade. Existem, pelo menos, dois remédios para curar esta doença. O primeiro é estar com os pobres, viver entre os sofredores. Os pobres não são uma entidade abstrata mas têm um nome, proveem de uma família, têm filhos, procuram a cada dia trabalhar para melhorar a qualidade de suas vidas. E nós devemos estar ali. Se estivermos acompanhados pelos pobres, redescobriremos a beleza da vocação franciscana. Fraternidade para os pobres, fraternidade com os pobres, fraternidade entre os pobres.

Em que modo se pode estar junto aos pobres?

Frei Michael - A pobreza não é algo a ser valorizado mas os pobres existem. No Evangelho de Marcos está escrito: “Quanto aos pobres, vós sempre os tereis convosco”. Penso que se Jesus tivesse tido todo tempo para acrescentar alguma coisa, talvez  teria dito: “Porque vós não quereis mudar o vosso estilo de vida”. Para ser Frades Menores devemos modificar os nossos comportamentos. O Papa Francisco esta retomando as ideias do cristianismo das origens. A Igreja não deve ser uma presença forte mas, sim, humilde. E a sua conduta é de ser exemplo para todos nós.

A vida consagrada está em risco?

Frei Michael - Quando se é centrado e focado na pessoa de Cristo, então o projeto de vida consagrada não pertence mais a nós. Por isso, não se deve temer os números em baixa: na história do homem sempre existiram formas de vida que mostravam uma especial relação com Deus dentro da sociedade. A vida consagrada não depende do homem, mas de Deus. Por isto, há esperança.

Então, o sr. não se inquieta mesmo olhando o número de vocações dos Frades Menores?

Frei Michael - Às vezes me preocupo quando vejo uma fraqueza numérica em um país ou em uma cidade onde estamos presentes por muito tempo e onde há ainda necessidade de anunciar o Evangelho. Trata-se, pois, de apreensões circunscritas à uma situação concreta. Em oitocentos anos de vida franciscana, cometemos tantos erros: se estamos ainda aqui não devemos isso às nossas decisões, mas à obra de Deus.

Entrevista a Riccardo Benotti, “Viaggio nella vita religiosa. Interviste e incontri”, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, pp. 59-71.   Reproduzida pela “Acta Ordinis”.

Tradução: Moacir Beggo - da parte de www.franciscano.org.br.

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