Artigos

02 Junho 2016

Pós-secularismo, as novas formas do sagrado.

O que está acontecendo na nova colocação pública das fés – e que poderíamos definir recorrendo à ideia de pós-secular – diz respeito às práticas ou aos processos coletivos em ato que estão se descerrando em várias partes. São processos não exclusivamente dialógicos ou de discussão, mas ações compartilhadas em que se iniciam movimentos que podemos definir como sociais, porque surgem da convergência de vários olhares crentes.

Há ao menos três décadas, os sociólogos nos repetem que algo mudou no mundo das religiões mundiais. O panorama global da religiosidade ou das fés individuais parece ter vivido uma verdadeira inversão de tendência em relação àqueles que, até os anos 1970, preconizavam o redimensionamento do fato religioso ou a sua inevitável retração na esfera da intimidade doméstica e da dimensão privada. Portanto, se subsiste uma novidade que é, ao mesmo tempo, uma peculiaridade do atual contexto religioso global, essa coincide com um renovado protagonismo público das fés.

De fato, parece profundamente mudado o papel ou a presença do religioso dentro dos espaços comunicativos globais. Mas, ao mesmo tempo, equivoca-se quem considera essa nova fase como um "retorno de Deus", ou como uma mera recuperação de alguns esquemas e instrumentos com que as fés institucionalizadas atestaram a sua presença na cena pública até a modernidade tardia.

É por isso que, no âmbito dos estudos sobre o religioso, há diversos anos, circula insistentemente uma categoria como a do pós-secularismo. Com esse conceito, quer-se indicar uma ruptura com a era comumente percebida como secular.

O que esse termo implica, portanto, é algo muito distante da proclamação, com tons revanchistas ou ao limite do triunfalismo, de uma nova atestação do religiosos dentro da ordem pública global. O pós-secular é capaz de representar uma referência comum de partida para farejar os traços não expressados ou nascentes na paisagem das religiões mundiais.

Mais do que uma função rigidamente de atestação sobre a condição presente das religiões individuais, o pós-secular exerce um papel introdutório em relação ao atual panorama das fés e dos relativos contextos sociais.

A ideia de pós-secularismo, de fato, identifica não tanto uma tese assertiva sobre o retorno do sagrado no coração da aldeia global e pós-moderna, mas sim um clima ainda a ser respirado ou um ambiente com o qual nos familiarizamos há pouco e que ainda devemos aprender a habitar.

A cena inédita e, em muitos aspectos, inesperada que o pós-secular descerra é a de uma nova condição pública das fés. Tanto as religiões históricas mundiais, quanto as comunidades religiosas de nova fundação estão amadurecendo linguagens e estilos inesperados dentro da cena pública global: sondar e compreender essa presença é, ao mesmo tempo, advertência e tarefa dos estudos sobre o pós-secular.

É possível, além de necessário, identificar os termos históricos da condição pós-secular ou, ao menos, colocar um limite temporal que ateste o seu início. Diversos estudiosos, de fato, falaram dos "anos 1980 da religião", identificando naquela década alguns movimentos ou submovimentos difusos dentro de contextos religiosos e sociais muito diferentes entre si.

José Casanova, por exemplo, no seu célebre ensaio Além da secularização. As religiões à conquista da esfera pública, identificou justamente nesses anos alguns eventos-chave em função dos quais é possível investigar o pós-secularismo.

De fato, ele fala de quatro acontecimentos que já se tornaram um exemplo recorrente sempre que se fala da condição pós-secular: "A revolta islâmica no Irã; o desenvolvimento do movimento Solidarnosc na Polônia; o papel desempenhado pelo catolicismo na Revolução Sandinista e em outros conflitos políticos que envolveram a América Latina; o renascimento do fundamentalismo protestante como força operante no âmbito da arena política dos Estados Unidos".

É evidente que esses eventos descrevem, acima de tudo, as recíprocas implicações entre a esfera religiosa e a política dentro de alguns contextos nacionais. Os acontecimentos citados por Casanova, na verdade, parecem quase exclusivamente remeter a uma relevância política de alguns movimentos de inspiração religiosa. A análise, na realidade, deve ir além e identificar os anos 1980 um laboratório público global em que as linguagens da religião e sobre as religiões se diferenciaram, se enriqueceram e se multiplicaram.

Tudo isso não surgiu exclusivamente a partir da dissolução do mundo bipolar ou das ideologias políticas que, em seu interior, identificavam os seus indivíduos e as suas massas. Então, o que mudou?

Provavelmente, o próprio modo das religiões de atestar e interpretar a própria presença nos discursos públicos e na auto comunicação de si mesmas. Para o mundo católico, isso representou uma consciência que se traduziu e ainda está se traduzindo em um estilo eclesial: aquele pelo qual as consciências da fé não amadurecem antes ou prescindindo dos discursos públicos, mas são adquiridas e se esclarecem no próprio exercício do diálogo realizado também com aqueles que não creem ou creem de forma diferente de mim.

Tudo isso nos leva a esclarecer outro elemento: a condição pós-secular não é redutível ao atual cenário comunicativo das fés, ou à sua capacidade de se apresentar na cena política como sujeitos simplesmente engajados em ações de argumentação pública.

Embora isso não deva ser excluído, é necessário ouvir as práticas já difusamente em ação dentro do mosaico religioso global e que estão redesenhando o léxico da presença pública das fés. Um léxico que não recorre – como, aliás, aconteceu também em outras épocas – exclusivamente ao medium linguístico-argumentativo. Um léxico que não é possível definir e compreender até o fim nem mesmo à luz apenas da linguagem simbólica ou do recurso, por parte de comunidades ou instituições religiosas, à eficácia identificadora e agregadora dos símbolos.

O que está acontecendo na nova colocação pública das fés – e que poderíamos definir recorrendo à ideia de pós-secular – diz respeito às práticas ou aos processos coletivos em ato que estão se descerrando em várias partes. São processos não exclusivamente dialógicos ou de discussão, mas ações compartilhadas em que se iniciam movimentos que podemos definir como sociais, porque surgem da convergência de vários olhares crentes.

Tudo isto parece estar em sintonia com o próprio olhar hermenêutica de Francisco, quando, ao falar da superioridade do tempo sobre o espaço, escreve que "dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de uma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás. Trata-se de privilegiar as ações que geram novos dinamismos na sociedade e comprometem outras pessoas e grupos que os desenvolverão até frutificar em acontecimentos históricos importantes. Sem ansiedade, mas com convicções claras e tenazes" (Evangelii gaudium, 223).

 

A opinião é do filósofo italiano Vincenzo Rosito, professor da Link Campus University, de Roma. O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 31-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

 

 

Compartilhar

Mais nesta categoria:

Últimas Notícias

Mais notícias

Artigos

Ver todos os artigos
© 2022 Ordem dos Frades Menores. Todos os direitos reservados

 
Fale conosco
curia@franciscano.org.br